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Estratégias de comunicação

Estratégias de comunicação sobre as mudanças climáticas que provocam menor resistência emocional.

Parta do pressuposto de que as pessoas têm um local de cuidado e empatia dentro delas. É com essa parte que queremos dialogar.

Também sabemos que muitas pessoas já tiveram acesso às informações sobre mudanças climáticas. Isto comprova que o problema, muitas vezes, não é um deficit de informação, mas o modo e o local afetivo que elas integraram as informações.

Antes de iniciar o diálogo, pense que é prazeroso dialogar com aquelas pessoas, que elas são importantes para si e faça algumas interrogações internamente. Quais são os valores que vocês partilham (são mães, pais, estudantes, trabalhadores, etc.)? Quais são os interesses daquelas pessoas? Como elas formaram a sua identidade enquanto pessoas e enquanto grupo? Onde vocês se conectam? Quais devem ser as memórias e vivências afetivas daquelas pessoas relacionadas com a natureza? Quais são os elementos ambientais que aquele público se importa?

Para facilitar esse processo, seguem algumas ideias.

1.Organize a sua fala ao redor de valores e interesses partilhados, aquilo que une os valores do grupo com os seus.

2.Depois dos valores, insira os fatos. O mais importante é a criação de uma conexão afetiva.

Pode ser que você conheça pessoas que são queridas/importantes naquela comunidade. Mencione a sua relação com aquela pessoa e, eventualmente, peça para aquela pessoa participar da comunicação, assim já haverá um objeto fiador afetivo.

Lembre-se, falar sobre mudança climáticas não é um concurso de erudição, mas a construção de um diálogo. Evite demasiadas palavras difíceis, caso não esteja com um grupo de especialistas. 

3.Utilize referências locais. A extinção do urso polar é triste, mas para muitas pessoas é um problema demasiado longe. Fale de referências que as pessoas podem facilmente se relacionarem, por exemplo, o bosque da região, o rio que não tem peixes, as queimadas do ano passado, o plástico ali ao lado, a comida que eles ingerem.

4.Convide as pessoas para irem aos locais de destruição e testemunharem com os próprios olhos.

5. Faça perguntas e ouça atentamente e de modo interessado a audiência, eles certamente têm algo para lhe ensinar.

Lembre-se: as pessoas querem ser ouvidas, respeitadas e valorizadas. E cada pessoa tem uma história complexa e difícil, não assuma que você é melhor que os outros.

6.Fale das suas perdas e das vivências afetivas no que diz respeito às mudanças climáticas.

7.Adote um lugar de cuidado e compreensão em relação aos participantes.

8. Fale também dos seus conflitos/ambivalências (ex: que você gosta de carros, mas sabe que deveríamos utilizar mais o transporte público; que gosta muito de viajar, mas sabe que os aviões contribuem para o efeito estufa; que você gosta de carne, mas também sabe que a indústria da carne é complicada). Deste modo eles não se sentirão mal pelos conflitos/ambivalências que trazem dentro deles.

Em alguns casos, também pode acentuar os conflitos culturais. Por exemplo, que parte da economia e cultura dos Açores foi construída sobre o leite e que isso criou uma parte da identidade local e como deve ser difícil fazer mudanças culturais mais profundas para eles nesse tópico.

9.Evite a polarização entre bons e maus, utilize uma abordagem compreensiva, empática e cuidadosa. Não julgue, utilize expressões de suporte e acolhimento. 

10.Enfatize o consenso científico.

Em momentos de desamparo, pode dizer que também é difícil para si e acentue que estamos nessa situação em conjunto.

11.Destaque que os indivíduos são agentes ativos que podem tomar decisões responsáveis ​​e informadas e que suas ações podem fazer a diferença.

12.Coloque problemas e fomente a reflexão por meio de interrogações.

13.Fale que você mesmo não levou as questões climáticas a sério, mas quando (…), mudou de ideia. 

14. Aponte algumas soluções que já são bem conhecidas.

Caso as pessoas venham mencionar ações que já realizam (reciclagem, etc.), reconheça a importância dessas ações.

15. Fale de uma visão futura positiva. Enfatize os benefícios potenciais de um mundo mais sustentável como, por exemplo, melhor saúde, mais tempo para fazer o que se gosta, menos stress, menos gastos, menos poluição na natureza.

16. Enfatize que todos podem contribuir e fazer a diferença para um futuro melhor.

17. Convoque as pessoas a serem criativas e autênticas. Criarem ideias novas e adequadas aos contextos delas. A criatividade deve ser a base do engajamento.

18. Enfatize que criar grupos locais ou aderir a grupos já existentes é importante para não nos sentirmos sós e impotentes.

Observações:

Respeite as crenças e opiniões diferentes.

É importante as pessoas aderirem ou darem suporte à causa/projeto de modo voluntário, autónomo e não se sentirem compelidas – obrigadas.

Para tanto, a decisão de fazer parte da iniciativa deve surgir de dentro da pessoa e estar relacionado a uma área de sentido pessoal, afeto e vitalidade.

Quando as pessoas sentem que fizeram uma opção/escolha, há maior continuidade e persistência nas atividades no longo prazo. 

Lembre-se talvez não será possível formar um ativista climático com uma conversa/apresentação, mas podemos abrir a porta para o tema e criar uma zona de insaturação benigna na pessoa. Pode ser que nas próximas semanas a pessoa vá se lembrar com carinho daquela conversa e a semente inicial para mobilização foi plantada.

O que não fazer:

– Evite o discurso do medo e narrativas catastrofistas. Elas rapidamente podem enveredar para a negação, desespero e derrotismo.

– Não ataque, infantilize, culpabilize e envergonhe as pessoas individualmente, vivemos um problema coletivo e temos que buscar soluções coletivas.   

– Não use formas de comunicação controladoras e que parecem pressionar/ empurrar as pessoas para concordarem.  

Vídeos sobre comunicação climática: 

  1. The Secret to Talking about Climate Change (4 min)
  • The most important thing you can do to fight climate change: talk about it | Katharine Hayhoe (17 min)

Mais uma referência

Talking climate handbook – how to have a climate change conversation

https://climateoutreach.org/reports/how-to-have-a-climate-change-conversation-talking-climate/

Espaço blog para o divulgar de actividades da Ecopsi, comentários ou artigos de opinião.

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Evento online, 08.11.2020

Evento online (Zoom): Mudanças climáticas & Saúde Mental.

Dia: 08 de novembro (domingo), às 21:30 de Portugal.    

Convidada: Caroline Hickman.

No próximo domingo, teremos uma conversa introdutória sobre psicologia climática, intervenção em crises e saúde mental. Contaremos com a participação de Caroline Hickman.

Caroline Hickman é psicoterapeuta, terapeuta social e faz o seu doutoramento e leciona na University of Bath, Inglaterra. Além de fazer parte da comissão executiva do Climate Psychology Alliance (CPA).  

A conversa de domingo terá duração de 60 min entre apresentação individual e discussão. O evento acontecerá em inglês e não haverá tradução. A participação é gratuita, mas é necessária inscrição prévia.

Para fazer a sua inscrição, aceda ao formulário em: https://forms.gle/XikuWFqN9r4HLLmB8 .

Quer saber um pouco mais sobre a Carolina Hickman, acesse o TEDxBathUniversity sobre Psychological barriers to climate change.  

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Chorar ou não chorar sobre o leite derramado das mudanças climáticas?

Algumas pessoas devem conhecer a expressão popular que diz não valer a pena chorar sobre o leite derramado. Mas será que essa abordagem é a mais adequada diante das questões climáticas tão urgentes?

Cada dia mais e mais evidências científicas apontam que o nosso estilo de vida (produção e consumo) tem efeito direto naquilo que conhecemos como as alterações climáticas. Inúmeras pessoas têm acesso a essas informações, algumas pessoas se desesperam outras simplesmente ignoram os dados e seguem com as suas vidas como se nada fosse.

Considerar a destruição passada e presente, assim como antecipar a destruição futura, causada pelo nosso estilo de vida mobiliza fortes emoções e afetos. Medo, ansiedade, ódio e tristeza são alguns desses sentimentos incómodos e uma forma ligeira de lidar com o problema é negá-lo.

Porém, apesar de algumas vezes usarmos a estratégia da repressão, negação ou abolição de temas dolorosos, também é verdade que normalmente a realidade nos (re-)lembra do que gostaríamos de esquecer. Seja por meio dos cientistas que aparecem no noticiário, dos estudantes e as suas greves climáticas, do secretário geral das Nações Unidas que pede urgência nas questões climáticas ou mesmo quando reconhecemos que as estações do ano andam confusas ou que as praias estão cheias de lixo.

Encontramo-nos, portanto, no paradoxal lugar de um conflito, podendo este ser mais ou menos consciente. Conflito que advém de um lado nosso que reconhece as informações da ciência e toda a sua realidade dolorosa e, por outro lado, o nosso desejo de jogar para longe tudo que causa dor, que nos recorda da nossa destrutividade e até mesmo da nossa frágil condição humana tão dependente do ambiente que estamos destruindo.

Conflito que gera diversas práticas discursivas mais ou menos próximas da realidade ambiental. Algumas pessoas diminuem a importância do que se passa, outros negam a sua gravidade e há aqueles que abolem completamente o que ocorre. Há também, entre aqueles que reconhecem a gravidade da questão, os que projetam vivências catastróficas individuais para dentro do cenário climático, criando um discurso demasiado alarmista e com algum gozo masoquista e vitimista.

De qualquer modo, cada indivíduo e, mais importante, cada grupo perceciona, lê e cria narrativas que fundamentam as suas práticas com base em informações e afetos conscientes e inconscientes. E a capacidade individual e coletiva de suportar a dor psíquica é condição fundamental para a construção de discursos mais próximos da realidade que poderão servir de base fiável para a atuação na realidade concreta.

(Obs: não entrarei aqui na questão de alguns grupos ideológicos deliberadamente financiarem a desinformação climática.)

A tolerância à dor e os diversos modos de integrar e digerir a dor, bem como os amplos sentimentos de desamparo e impotência diante da destruição causada, são aspetos centrais para compreendermos a real magnitude do problema e criarmos uma trama simbólica e afetiva partilhada e endereçar o problema.

Infelizmente, quanto maior a dor associada, maior o sentimento de desamparo, maior é a sensação de impotência e maior é a aderência aos discursos mágicos e sem adesão aos fatos. Entre os discursos mágicos, parece-me que o mais temoroso é uma crença excessiva no potencial redentor da ciência/tecnologia, especialmente no atual paradigma socioeconómico. Apesar de existirem outros discursos alienados como, por exemplo, um darwinismo raso que desidrata de afeto a destruição que causamos e relativiza a possibilidade de extinção da nossa espécie como se isto fosse algo sem importância.

Mas o oposto do que foi dito acima também é verdade, quanto mais amparados e potentes nos sentimos, mais aceitamos a realidade em sua complexidade e dificuldades, uma vez que nos consideramos aptos para transformá-la.

Entramos agora no cerne da questão, para evitarmos que os indivíduos utilizem mecanismos regredidos e fantasiosos ao lidarem com as questões climáticas, é importante que sejam criados espaços para colocar em comum/comunicar os afetos. Redes de suporte compreensivas e capazes de oferecer apoio, escuta e formar pensamentos adequados que depois poderão gerar mobilizações efetivas na prática.

Discordo, portanto, da expressão popular que aconselha não chorarmos sobre o leite derramado. Chorar e viver na integralidade a dor da perda gera o primeiro nivelamento afetivo para sucessivamente criarmos discursos amparados na realidade científica e não derramarmos mais e mais leite à medida que caminhamos às cegas.  

Enveredar pela depressão necessária de percebermos a destruição que causamos, viver esta dor e progressivamente pensarmos em alternativas práticas não é uma tarefa que podemos realizar sós. Especialmente diante da magnitude do problema. 

Apenas em vínculos afetivos, compreensivos e dialógicos é possível gradualmente desbloquear o potencial humano, potencial que transcende a soma dos indivíduos e encontra-se na articulação afetiva e inteligente dos seres que reconhecem a totalidade da realidade. Realidade desagradável e dolorosa, mas também realidade passível de ser transformada pela vontade acrescida da inteligência. Processo pelo qual a criação de discursos adequados pode fundamentar e organizar a potência humana para atuarmos sobre o leite derramado.

Felizmente, não precisamos começar do zero a nossa caminhada. No último século, amplo conhecimento foi sistematizado em áreas como psicologia, psicanálise, antropologia, sociologia, entre outras áreas. Conhecimento sobre as fases do luto, sobre as diversas formas de lidar com o sofrimento e, finalmente, sobre a importância dos vínculos afetivos e sociais neste processo.

Além do mais, dispomos de muitos profissionais devidamente qualificados e em número suficiente para dar resposta ao problema, desde que, gradualmente, o binómio psiquismo-ecologia se torne uma prioridade e não apenas um simpático adereço.

É fato que ainda é necessário uma fase de ajuste e adaptação, mas os insumos básicos já se encontram entre nós. Falta apenas que os recursos (dinheiro, tempo e atenção/dedicação) possam ser deslocados para o cuidado (psíquico e ambiental) para, assim, aos poucos, retificarmos a potência humana.

Potência que, atualmente, com objetivo de evitar o sofrimento, afirma a ignorância (não saber) e gera destruição, produzindo, ao fim, mais dor.

Diante da ineficácia do modelo atual em lidar com o sofrimento, outro modelo se faz necessário. A experiência acumulada no último século não deixa dúvidas de que o paradigma do diálogo, dos vínculos afetivos e do amor ao conhecimento – mesmo que doloroso, é a única forma capaz de colocar a potência humana ao serviço da vida.

Matthias Ammann, 25.10.2020